O Predador, dirigido por Shane Black, é, entre outras coisas, uma homenagem ao filme original de 1987 . Apesar de citar em vários momentos acontecimentos de outros longas da franquia, há claramente uma intenção de relembrar o primeiro filme, seja nas cenas de caçada na floresta, seja nas armas e visão do predador ou até mesmo nos diálogos. Vemos, por exemplo, mais de uma vez a discussão em tom de piada sobre o nome escolhido para a criatura no passado, uma vez que um predador na natureza é um animal que mata para comer e a criatura é alguém que mata porque está caçando por esporte. É um filme muito bem-humorado que flerta todo o tempo com a comédia, o que o torna muito agradável, ao contrário do que poderíamos esperar. Para os fãs da franquia, O Predador é um filme excelente; para o público em geral, é um bom entretenimento.
A história se passa nos dias atuais, quando um predador em fuga cai com sua espaçonave na Terra justamente no México, onde o atirador de elite Quinn McKenna (Boyd Holbrook) está com o seu destacamento em uma missão contra narcotraficantes. Ao perceber que toda a sua equipe foi morta pela criatura, McKenna rouba alguns equipamentos da nave alienígena, foge e os despacha para os Estados Unidos como evidência de que ele não matou a própria equipe. No fim das contas, o equipamento acaba indo parar em sua própria casa e é recebido por seu filho especial e superdotado que começa a estudar as peças e entender melhor o predador. A história se desenrola com a criatura em busca dos itens roubados, ao mesmo tempo em que ela está sendo caçada por um outro predador muito maior e mais forte, uma espécie de evolução dos predadores. (Nesse ponto, a premissa é muito parecida com a do filme Megatubarão). Com o desenrolar da narrativa, percebemos que o predador acaba ganhando o papel de herói e os soldados do exército o papel de vilões. O ponto alto do filme, a meu ver, está na equipe que McKenna vai reunir para caçar a criatura: todos ex-militares com problemas psiquiátricos, o que rende uma boa dinâmica e momentos engraçados.
(Este parágrafo possui poucos spoilers; caso não queira ler pule para o próximo.) Podemos abordar as temáticas trazidas no filme sob diversos ângulos. Por exemplo, o filho de McKenna, com seu jeito estranho devido a uma espécie de autismo e seu gosto por estudos, representa um ser humano muito mais avançado do que os valentões boçais de sua escola, que teimam e não aceitá-lo por ser diferente. Os seres humanos não reconhecem isso, mas o alienígena sabe que essa criança é o melhor ser humano que havia na Terra. O herói aqui não é um soldado musculoso (como era o personagem de Arnold Schwarzenegger), mas um menino autista. As pessoas tidas como loucas e separadas da sociedade eram as mais sóbrias e corajosas para enfrentar a ameaça real representada pelos alienígenas, voltando ao clichê literário de que o louco é a pessoa que sempre está vendo a verdade enquanto o restante da sociedade delira. Os soldados mantidos em tratamento psiquiátrico eram aqueles que não haviam conseguido se adaptar ao mundo “normal”, não souberam lidar com os traumas, as frustrações e a violência. Justamente por não se adaptarem, perceberam qual era o real perigo e agiram para “salvar o mundo”. Ao fim, o predador fugitivo, que aparentava ser um destruidor, na verdade estava em uma missão humanitária de salvar o planeta Terra de uma ameaça muito maior. Só os “loucos” perceberam isso. É positiva a inversão da figura do predador (que ocorre desde Alien vs Predador), como alguém que pode se aliar aos humanos, visto que seu visual desde o filme original lembra o de um afrodescendente com cabelos com dreads (o que nesse filme vira motivo de piada ao compará-lo à Whoopi Goldberg). Esse predador é bom, veio para ajudar. O filme mostra que existem predadores bons e predadores maus, assim como existem seres humanos bons e seres humanos maus, independentemente da aparência.
O filme inteiro trabalha com o desmonte de estereótipos. Apesar de homenagear o primeiro Predador, segue caminho oposto transformando em bom aquele que antes era visto como mau, dando protagonismo aos excluídos da sociedade. Até o gênero do filme praticamente muda deixando de ser um filme de horror para se tornar uma ação- comédia. Tudo isso mostra a tentativa consciente de desmontar imaginários populares sobre quem é o herói , quem é o forte, quem é o são. Certamente isso me lembra um valor central do cristianismo que muitas vezes é esquecido. Deus não trabalha com aparências (1 Samuel 16:7) e faz questão de valorizar aqueles que o ser humano desvaloriza, justamente para mostrar que o poder é dele. Escolheu um povo de mulheres estéreis que tinha tudo para dar errado, usou homens fracos e desacreditados, veio para a Terra em forma de homem pobre e morreu como escravo, além de escolher pescadores e homens de má fama para levar a sua mensagem adiante. Que possamos ter um olhar mais parecido com o roteiro de O Predador do que o olhar que mantém os estereótipos da sociedade.
“Para envergonhar os sábios, Deus escolheu aquilo que o mundo acha que é loucura; e, para envergonhar os poderosos, ele escolheu o que o mundo acha fraco. Para destruir o que o mundo pensa que é importante, Deus escolheu aquilo que o mundo despreza, acha humilde e diz que não tem valor. Isso quer dizer que ninguém pode ficar orgulhoso, pois sabe que está sendo visto por Deus.” (1 Coríntios 1: 27-29)