Infiltrado na Klan é um filme chocante, daqueles que precisa ser visto por todos, discutido e debatido. O filme retrata acontecimentos reais da década de 70 nos Estados Unidos sem em nenhum momento tirar os olhos do presente, principalmente de conflitos raciais ocorridos durante a administração Trump. Dirigido por Spike Lee, o longa narra a história verdadeira do policial Ron Stallworth, interpretado por John Davis Washington: um policial negro no colorado que trabalhava na Inteligência e decidiu investigar a Ku Klux Klan. Para isso, se tornou um agende infiltrado, realizava conversas por telefone com os membros do grupo e enviava um policial branco judeu nos encontros pessoais, interpretado por Adam Driver. Tudo isso gravado e monitorado.
O filme, baseado no livro escrito pelo próprio Ron, evidencia o preconceito e o ódio da KKK direcionado às minorias, principalmente negros e judeus, passando também pelos homossexuais. Entre conversas, xingamentos e brincadeiras, percebe-se que o grupo não está apenas brincando, eles de fato planejam atos violentos como queima de cruzes para intimidar negros, estupros, assassinatos e atentados. Todos andam armados e praticam tiro em figuras de negros. Muitos dos membros eram inclusive membros da elite do exército e com acesso a forte armamento. Claro, todos cristãos.
A sensibilidade do diretor é genial, pois ele está trabalhando com fatos reais completamente chocantes, utilizando uma veia cômica sem de forma alguma ser desrespeitoso. Em geral todas as falas racistas e preconceituosas acabam saindo ou da boca dos policiais disfarçados ou da boca de pessoas caricatas que merecem o nosso riso de tamanha ignorância. Isso ameniza um pouco a temática do filme, se não seria insuportável assisti-lo. Mas, ao mesmo tempo, essas falas são reais e sinceras e essas pessoas de fato planejam o mal. Pior, não são personagens fictícios, mas pessoas da vida real, que ainda hoje pregam as mesmas coisas, como o filme acaba revelando em determinado momento.
De onde vem todo o ódio dessas pessoas? O filme também tenta explicar. Em primeiro lugar, do sentimento de revanche da derrota na guerra civil americana. A bandeira dos confederados é extensamente exposta a todo momento e os negros que antes eram escravos ainda são vistos como macacos. O ódio também existe porque, pelo que parece, o governo americano ao longo da história não se importou em mudar a visão dos cidadãos; pelo contrário. Em muitas ocasiões concordou com o racismo, com o apoio a leis de segregação e aos julgamentos injustos que sempre condenavam negros, mesmo que inocentes. Além disso, como o próprio filme evidencia, havia o apoio a obras audiovisuais racistas, que passavam até mesmo na Casa Branca. A desinformação era também uma grande fonte para o ódio. As fake news já estavam bem presentes no século XX. Muitos na população branca criam piamente que os negros estavam lá apenas para roubar e estuprar mulheres e que eles queriam se vingar pelos tempos da escravidão. Em uma cena, um membro da KKK conta que sua esposa foi brutalmente estuprada por um grupo de negros e todos parecem acreditar sem sequer checar a veracidade disso. Os membros também afirmam que o holocausto nunca existiu e tudo é uma enganação dos judeus. A montagem de uma cena do filme é brilhante: enquanto os membros da KKK gritam xingamentos e palavras de ordem e assistem um filme racista que supostamente conta a história americana, longe de lá os negros estão tendo uma aula de História sobre um acontecimento de grande injustiça racial.
Infelizmente, a situação de conflito faz com que se criem rótulos e preconceitos generalizados. Os membros da KKK não aceitam ninguém diferente deles, os negros afirmam que todo policial é nazista, os policiais afirmam que nenhum negro presta, e por aí vai. Ron Stallworth, pelo menos como personagem do filme, transita entre as várias realidades, desde as ideias nazistas da KKK até o radicalismo de uma parte do movimento negro que quer pegar em armas e enfrentar os brancos. Sua função dramática é a de compreender os diversos mundos que o cercam sem se comprometer completamente com nenhum. Ele não aceita rótulos nem radicalismo. Como consequência, ele acaba não se encaixando nem na KKK (obviamente), nem no movimento negro, nem na polícia. Vivemos em um contexto de grandes conflitos políticos e ideológicos, marcados por polarização, ódio e preconceitos. Penso que em situações de conflito, o cristão precisa agir dessa forma. Buscar solucionar as injustiças sem contudo comprar 100% do discurso de nenhuma parte. Tudo o que envolver violência, preconceito e ódio deve ser descartado.
O filme causa um incômodo no espectador ao provar que nada mudou ao longo dos anos, tudo continua igual, o mesmo ódio e preconceito está presente em nossa sociedade e parece aumentar. Sempre me incomodou o fato de que as barbaridades racistas que ocorreram nos Estados Unidos foram cometidas por cristãos. Os membros da KKK do passado e de hoje são cristãos. Pessoas que confessam Cristo mas estão prontas para diminuir o diferente, aliená-lo de seus direitos, expulsá-lo de sua presença e, eventualmente, até matá-lo. Tudo isso utilizando a Bíblia e o nome de Cristo. Certamente isso com o tempo acaba sendo copiado em nosso país, mas deixo para o leitor as devidas comparações com o que acontece em terras tupiniquins. Servimos um Deus que ama todos e quer que todos sejam salvos (1 Timoteo 2:4); que não faz acepção de pessoas (Atos 10:34), que quer unir todos em Cristo. Levanto aqui a questão que deve ser motivo de debate em todos os ambientes cristãos. O que leva o cristão a odiar o diferente? A diminuir o próximo? Passado mal resolvido, criação, falta de informação, inverdades, líderes com caráter distorcido e tantas outras explicações podem ser dadas para explicar situações como a do filme. De qualquer forma, precisamos nos aprofundar no conhecimento do amor de Cristo mais e mais (Filipenses 1:9,10) para que não sejamos presa fácil de pensamentos e ações que nos afastam da mensagem da cruz.
“Meus irmãos, vocês que crêem no nosso glorioso Senhor Jesus Cristo, nunca tratem as pessoas de modo diferente por causa da aparência delas.”(Tiago 2:1)
“Desse modo não existe diferença entre judeus e não judeus, entre escravos e pessoas livres, entre homens e mulheres: todos vocês são um só por estarem unidos com Cristo Jesus. E, já que vocês pertencem a Cristo, então são descendentes de Abraão e receberão aquilo que Deus prometeu.”(Gálatas 3:28,29)