Capitã Marvel, dirigido por Anna Boden e Ryan Fleck, traz a mesma fórmula muito bem-sucedida dos demais filmes da franquia. Apesar de pecar em alguns momentos nos efeitos visuais, é um filme excelente, com bons atores e um roteiro muito interessante. Brie Larson está ótima no papel da heroína. O longa amarra perfeitamente os filmes anteriores e o próximo Vingadores. Traz alguns personagens conhecidos como Nick Fury rejuvenescido (Samuel L. Jackson) e mais personagens ótimos interpretados por grandes atores como Jude Law, Djimon Hounson e outros. A narrativa tenta mostrar o histórico de Carol Danvers: quem ela é, de onde veio, como adquiriu seus poderes e pelo que luta. A narrativa tem início com a protagonista sem memória envolvida em uma batalha intergaláctica, mas logo acaba vindo para a Terra ao tentar concluir uma missão e nesse ponto o filme fica de fato interessante. A meu ver, apesar da quantidade de poderes fantásticos, Carol Danvers é a heroína mais humana de toda a franquia e talvez de todos os personagens da Marvel apresentados no cinema até agora. Uma mulher com quem é possível nos identificar em seus conflitos e em suas fraquezas.
Sem fazer discurso político nem transformar o filme em palanque, algumas questões atuais estão bem presentes e podem ser alvo de análise, como o papel da mulher na sociedade; o embate sobre a necessidade da guerra e a busca pela paz; o problema dos refugiados; desobediência humanista contra obediência cega; a necessidade de manter a mente aberta e ter humildade para reconhecer que nem sempre defendemos o lado certo.
(Texto com pouquíssimos spoilers – óbvios para quem é fã da Marvel.)
Sobre esse último aspecto, destaco que a heroína em determinado momento percebe que sua mente havia sido formatada para chamar os exploradores de bons e o povo perseguido de maus. Acreditou por mais de seis anos em uma verdade fabricada por motivos políticos e bélicos e viveu por ela. Odiava um povo sem nunca ter sentado para conversar com nenhum deles. Ao fazer isso pela primeira vez, percebe o quanto estava errada e, após um choque inicial, muda sua visão de mundo e suas atitudes, ou seja, volta atrás e reconhece que estava errada e foi enganada. Vivemos em um mundo de tantas verdades conflituosas que acabamos errando muitas vezes em nossa interpretação da realidade. Se obedecêssemos a dois ensinamentos de Jesus, não cairíamos em tantos erros: não julgar (Mateus 7:1,2) e ser um pacificador (Mateus 5:9). O mundo é extremamente complexo, e para termos certeza de algo precisamos conhecer tudo a fundo. Como isso é praticamente impossível, precisamos parar de julgar as pessoas e achar que as conhecemos e conhecemos suas motivações. Como é fácil encher o coração de ódio contra alguém ou algum grupo sem nunca ter sequer conversado com algum deles. Da mesma forma, uma vez que é cada vez mais difícil entender os conflitos, suas causas e seus personagens, precisamos trabalhar para apaziguar conflitos. A personagem teve algo que é cada vez mais difícil encontrar hoje em dia: humildade para reconhecer que estava errado e mudar a visão de mundo, às vezes até mudar de lado. Se não colocarmos em prática os dois ensinamentos de Cristo e errarmos, que coloquemos em prática a lição da humildade e do arrependimento, tendo coragem de voltar atrás e assumir o erro.
Carol Danvers possui uma história como humana de coragem, desafios, fracassos e sucessos. Em vários flashbacks, fica claro que ela precisou batalhar muito mais por aquilo que queria justamente pelo fato de ser mulher. Ela queria pilotar caças em uma época em que não aceitavam mulheres ou as sabotavam por não acreditarem em seu potencial. Todo o tempo é possível ouvir alguém falando que ela não vai conseguir, que ela é emotiva demais, que não consegue se controlar. Cada fracasso é atribuído a isso, apesar de o fracasso ser normal para qualquer pessoa independente do sexo em qualquer profissão. Apesar de ser uma piloto excelente, ela e sua amiga acabam ficando de fora do programa militar e precisam se envolver com um programa científico para realizar o sonho de pilotar. Até mesmo posteriormente, em seu treinamento com os Kree, seu mentor não permite que ela utilize poderes com a desculpa de que ela não sabia se controlar. O filme está evidenciando uma sociedade que não aceita mulheres em cargos de poder ou de destaque, principalmente em profissões que até então eram vistas como masculinas. E a justificativa em muitos casos passa pela desculpa de que mulher é mais emotiva, sente mais, não controla os sentimentos e por isso não pode ocupar cargos que precisem de objetividade e racionalidade. Essa ideia, apesar de muito forte, não passa de preconceito. Não encontra qualquer amparo nem na Bíblia nem na realidade. Na Bíblia há em alguns textos com proibição para mulher exercer cargo de liderança na igreja (1 Coríntios 14:33-35; 1 Timóteo 2:8-15), mas não é dada uma explicação imediata e nem de perto vemos essa questão da emotividade. Religiosos debatem esses textos até hoje. Uma explicação possível é que na época bíblica as mulheres não sabiam sequer ler, não podiam estudar e a cultura não tolerava protagonismo feminino. Assim, seria motivo de choque e escândalo uma mulher ensinando, porém isso é assunto para outro debate. Mas a mesma Bíblia choca o leitor da época ao colocar inúmeras mulheres em papel de protagonismo nas narrativas (Juízes 4 e 5; João 4; Atos 2:17, 16:11-15; Gálatas 3:28, etc.). Da mesma forma, ao avaliarmos a realidade, estamos acostumados a ver homens perdendo a compostura em atitudes emotivas como brigas na rua, crimes passionais, tendo explosões de raiva no trabalho, etc. Basta avaliarmos as medidas emotivas e impulsivas que temos visto vindas de governantes homens ultimamente.
A conclusão do filme revela que, em todos os momentos, a heroína estava sofrendo preconceito, porém essas dificuldades a prepararam para vencer. Ela é a mais forte de todos os personagens porque é humana e porque é mulher. O sofrimento lhe deu resiliência. Ela percebe que sempre que caiu levantou e, por isso, está em condições de lutar de forma mais resistente e corajosa do que os demais. Além disso, ela percebe que as emoções a humanizam e a tornam mais forte. O longa, lançado não por acaso no período do Dia Internacional da Mulher, traz grandes verdades sobre as mulheres: capacidade, coragem, resistência, força, inteligência e superação. Essas verdades precisam ser aceitas de uma vez por todas. Todo ser humano é fraco e precisa da ajuda de Deus, mas as mulheres enfrentam desafios diários que nós homens nem percebemos e não deixam de viver nem de trabalhar por conta disso. Pelo contrário, apesar da menor força física e dos infinitos preconceitos e barreiras impostas, conseguem chegar no mesmo patamar que os homens e muitas vezes os ultrapassam. Por isso, são verdadeiras heroínas. Penso que quanto maiores as barreiras e dificuldades, mais Deus está do nosso lado. Por isso, mulheres, continuem tendo coragem e batalhando.
“Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo.” (2 Coríntios 12:9)