A esposa é mais um filme que aborda o papel da mulher em uma sociedade que não aceita seu protagonismo. Estrelado por Glenn Close interpretando a esposa Joan Castleman e por Jonathan Price interpretando o marido Joe Castleman, o longa envolve o espectador com os bastidores de um casamento que a princípio parece feliz, mas que esconde grandes problemas e frustrações. No início vemos um casal de idade avançada acordando com um telefonema destinado ao marido para informá-lo de que ele foi vencedor do prêmio Nobel de literatura e para dar as instruções relativas à premiação. Ambos comemoram, fazem uma festa com os filhos e amigos e partem para a viagem com o intuito de participarem da cerimônia.
(continuação da crítica com spoilers)
Aos poucos vamos percebendo a dinâmica do casal, seu relacionamento com os filhos e o perfil de cada um. Joe, feliz por seu feito, desfila pelos salões sendo o centro das atenções, inclusive flertando com outras mulheres, mas sempre dependendo da esposa para lhe dar conselhos e lembrá-lo de seus remédios. Joan parece ser daquelas mulheres que buscam o anonimato, prefere ficar à sombra do marido. A tensão que vai se aprofundando no decorrer da narrativa e os constantes flashbacks acabam oferecendo boas pistas sobre o que realmente ocorreu com o casal. Joe, quando jovem, era um escritor medíocre casado que vivia como professor na universidade. Joan era sua aluna brilhante que acabou sendo responsável pelo fim de seu casamento. Ambos se casaram e ao perceberem que não conseguiriam sustento com a profissão de Joe, Joan propõe escrever os livros que seriam publicados com o nome dele. Sim, ela sempre foi a verdadeira autora das obras e ele recebeu todos os créditos. Esse é o maior segredo da família, escondido até mesmo dos filhos. O filho inclusive sofre tentando ser escritor e não conseguindo a aprovação do pai. Na verdade, porque o pai não poderia ajudá-lo muito nessa questão.
O relacionamento entre o casal com o tempo se desgasta com as constantes traições de Joe e com seu orgulho que crescia constantemente. Quando a primeira obra deles é publicada, ele comemora com ela dizendo “nosso livro vai ser publicado”. Quando décadas depois ele recebe o prêmio Nobel, ele comemora falando “eu ganhei o prêmio Nobel”. O peso da mentira se acumula em Joan ao longo dos anos e na noite da entrega do prêmio há um clímax de descontentamento, frustração e indignação com a atitude arrogante e egoísta do marido. Tudo isso aconteceu porque Joan, apesar de ter um grande talento, sabia que em sua época não publicariam um livro escrito por uma mulher, ou seria muito mais difícil publicar e fazer sucesso. Ela ouviu isso de uma escritora fracassada e dos próprios chefes de uma editora onde trabalhava servindo café. Juntando tudo isso com sua timidez, foi fácil, a princípio, inventar a mentira com o seu marido, que era alguém muito mais espontâneo e pronto para o holofote. No entanto, o tempo traz a necessidade do reconhecimento.
O filme narra dessa forma mais um caso de casamento abusivo, onde o medo, a insegurança e a insatisfação estão presentes. A mulher serve constantemente e não consegue ser reconhecida como aquilo que ela realmente é, sendo relegada apenas à categoria de “esposa do gênio”. O marido usa o trabalho dela para obter fama, poder e mulheres. Como já mencionei, essa temática está muito presente no cinema atualmente. É uma trama muito parecida com o filme Colette. Enquanto A esposa é uma ficção, por mais real que possa parecer, Colette é uma história real, por mais absurda que possa parecer. Para uma aplicação cristã sobre essa questão do papel da mulher, indico a leitura da minha crítica sobre Colette.
Outro aspecto que muito me chamou atenção no longa foi a questão da mentira. O casal criou uma mentira que a princípio beneficiou ambos. Ele se viu como alguém de sucesso e ela viu suas obras publicadas. No entanto, o tempo acabou trazendo tristeza, desconforto e desgraça. O público perdeu a chance de perceber que era uma mulher por trás daquela genialidade. Seu filho passou por muito sofrimento e se sentia rejeitado por não conseguir discutir literatura com o pai que tanto admirava. Joan percebeu tarde demais que não conseguiria mais viver com a mentira e Joe passou a vida tentado por um sucesso que nem era dele e cometendo muitos excessos. Ambos viviam com medo e insegurança, pois ninguém poderia descobrir o segredo, apesar de algumas pessoas desconfiarem. O casal sempre fugia de um repórter que queria escrever uma biografia de Joe, sempre com medo do que ele poderia encontrar. A princípio a mentira pode parecer muito sedutora. Ela resolve situações e problemas e nos deixa em uma situação mais tranquila. No entanto, a verdade “grita” e com o passar do tempo a mentira nos consome. Traz sofrimentos para nós e para as pessoas que estão ao nosso redor e a quem nós amamos. A Bíblia afirma que a mentira é exatamente o contrário do que Deus quer para nós. Ele está certo em querer que vivamos uma vida autêntica, baseada no que é puro e justo, sem enganar ninguém. Viver na verdade pode trazer algum desconforto em alguns casos, mas a certeza de sermos honestos, transparentes e de não estarmos devendo nada a ninguém nos traz alegria e confiança.
“Não mintam uns para os outros, pois vocês já deixaram de lado a natureza velha com os seus costumes e se vestiram com uma nova natureza. Essa natureza é a nova pessoa que Deus, o seu criador, está sempre renovando para que ela se torne parecida com ele, a fim de fazer com que vocês o conheçam completamente”. (Colossenses 3:9,10)