Vice

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Vice, novo filme do diretor e também roteirista Adam Mckay, retrata um período turbulento e controverso da história dos Estados Unidos: as guerras com Afeganistão e Iraque travadas no governo George W. Bush. O personagem central é Dick Cheney, vice-presidente de Bush e o homem que realmente estaria por trás de toda a máquina de guerra. O ponto alto do filme é a atuação de Christian Bale, no papel de Cheney, e a estrutura narrativa muito didática, atraente e divertida. O longa também conta com Amy Adans no papel da esposa de Cheney, Steve Carrel como Donald Rumsfeld e Sam Rockwell como George W. Bush.

A trama é construída tendo por base o que é de conhecimento público e um pouco de imaginação realista sobre o que não é. Temos então uma reconstrução da história baseada em documentos, reportagens e também algumas suposições. A narrativa se vale da linguagem da galhofa, do deboche, os personagens são retratados de forma estereotipada. Desde o início do longa percebemos que a visão narrativa não é imparcial, mas a quantidade de informações de conhecimento público dá um bom ar de veracidade a tudo o que é tratado.

O filme tem início em um bunker durante os ataques do Onze de Setembro, momento em que, segundo a narração em off, Dick Cheney tem a ideia de aproveitar o que está acontecendo em favor de sua ideologia, e instigar o povo a apoiar as guerras que na verdade são puramente de interesse econômico e geopolítico, para controlar territórios cheios de petróleo. A narrativa é então interrompida para que um flashback explique quem ele é e como chegou a ter tal poder. Jovem promissor e problemático, acabou se acertando na vida por conta do apoio de sua esposa. Entrou para a política tendo uma carreira meteórica no partido republicano. Lá aprendeu o poder que o líder americano possui em decidir tudo o que acontece no mundo, quem morre e quem vive. No momento em que iria disputar a possibilidade de concorrer à presidência precisou recuar para preservar a própria família, pois sua filha era lésbica e isso certamente seria amplamente explorado pelos rivais. Torna-se então CEO de multinacionais. No entanto, anos mais tarde é procurado por George W. Bush para compor sua chapa. Para que isso ocorra ele coloca a condição de não ser um vice-presidente “decorativo”. Ele queria ter voz ativa em todas as matérias de importância nacional. Assim, estabelecem esse pacto. Fica evidente que Cheney não só tinha acesso a tudo o que era decidido, como tinha o poder de verificar informações e tomar decisões antes mesmo do próprio presidente. Assim, a atenção se volta para o que aconteceu no bunker do Onze de Setembro e tudo o que estaria por vir.

Para o narrador, os interesses econômicos de empresas americanas para as quais ele trabalhara é o que está por trás de toda a máquina de guerra que ele criou. Isso fica bem evidente na criação da lenda de que o Iraque fabricava e continha armas de destruição em massa. Essa foi a principal tese defendida por Cheney para a guerra contra o Iraque, o que o tempo provou ser uma grande mentira. Ele se torna o responsável pela interpretação constitucional de que o presidente pode ter poder absoluto quando é necessário, e assim convence toda uma nação a lhe dar carta branca para fazer o que bem entende, criando a permissão para inúmeras práticas de tortura, prisões sem critério, ataques a vilas e aldeias repletas de mulheres e crianças, assassinatos em massa, etc. A criação do Estado Islâmico é atribuída a ele indiretamente, pois ao abalar os poderes políticos na região e ao criar mentiras para dar visibilidade a líderes radicais que nem tinham tanto poder assim, ele fortalece esses líderes e sua ideologia. Quando boa parte do que o governo fez vem a público, Cheney se torna uma figura controversa e ocorre a mudança de governo. No entanto, ainda hoje, recuperado de um transplante, continua sendo uma figura de extrema influência nos Estados Unidos.

O filme é uma grave denúncia à política americana frente a todas as nações. Mesmo sendo propositalmente um filme tendencioso, as acusações são verdadeiras e boa parte delas já largamente provadas. Pelo menos uma guerra inteira foi inventada através de mentiras para que o país pudesse dominar poços de petróleo controlados pelo Iraque. Milhares de pessoas morreram com isso ou continuam desabrigadas, incluindo soldados americanos. Cheney e a política que ele representa coloca os interesses econômicos acima de tudo, incluindo a vida dos seus próprios cidadãos. A política americana é repleta de maquinações secretas e mentiras públicas em todos os níveis. A preocupação com a paz e a democracia é restrita apenas a países com reservas de petróleo e em posições geopolíticas estratégicas. No mais, para manter seus interesses, apoiam ditadores, tortura, grupos terroristas, etc. Chega a ser insano que esse país seja tão admirado e venerado por tantos como um país perfeito. Eles estão hoje onde estão graças, em boa parte, ao sofrimento de inúmeros povos e países da América Latina, da África e do Oriente Médio. O mais preocupante a meu ver é que onde os Estados Unidos são admirados sua política também é, e tende a ser copiada. Estamos falando de populações inteiras massacradas para que algumas empresas possam ter lucro.

Não consigo ver qualquer traço de cristianismo nessa política e nessas ações. O comportamento americano é o comportamento predador, do mais forte devorando a vítima mais fraca, algo completamente mundano. Já o modelo de Cristo é o do sermão do monte, do que busca a paz mesmo que para isso tenha que sofrer, do que abre mão pelo outro. Talvez alguém possa falar que religião e política não possam se misturar, então por que tudo o que eles fazem é em nome de Deus e usam Jesus como pretexto? Uma nação que diz ser cristã e se diz responsável por levar Jesus ao mundo nunca poderia ter esse tipo de comportamento. Pelo menos os cristãos não poderiam apoiar, mas são seus maiores apoiadores. Uma nação cristã precisa brilhar como luz, precisa ser exemplo de amor, misericórdia e perdão. Infelizmente o que brilha são as rajadas de bombas e o exemplo é o da força bélica. As ações de um povo refletem o caráter individual de seus cidadãos. O cidadão comum apoia o político que com ele é mais parecido. Que esse filme possa pelo menos começar a abrir nossos olhos para deixarmos de admirar pecadores miseráveis e voltarmos para Cristo, o verdadeiro santo, e viver como ele.

“E ele começou a ensiná-los, dizendo: Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus. Bem-aventurados os que choram, pois serão consolados. Bem-aventurados os humildes, pois eles receberão a terra por herança. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão satisfeitos. Bem-aventurados os misericordiosos, pois obterão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus. Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, pois deles é o Reino dos céus. Bem-aventurados serão vocês quando, por minha causa os insultarem, perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra vocês. Alegrem-se e regozijem-se, porque grande é a recompensa de vocês nos céus, pois da mesma forma perseguiram os profetas que viveram antes de vocês. Vocês são o sal da terra. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens. Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade construída sobre um monte. E, também, ninguém acende uma candeia e a coloca debaixo de uma vasilha. Pelo contrário, coloca-a no lugar apropriado, e assim ilumina a todos os que estão na casa. Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus”. (Mateus 5:2-16)

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